Nós como mulheres negras na escola, pouco conhecemos sobre os nossos antepassados, crescemos com essa curiosidade e também com medo, pois vimos nos livros de história que a história das pessoas negras é marcada por tristeza, trabalho forçado e revolta, essa é a visão colonizadora em que crescemos ouvindo, mas conforme os anos passam conhecemos que a história tem muitos lados e estamos sempre buscando conhecimento para entender quem somos. No dia 03 de agosto de 2023 marcou o fim de mais uma etapa de formação em Letramento Racial, desta vez ministrada por Stéphanie Moreira, doutora em Estudos Étnicos e Africanos, com muito conhecimento teórico de cartas, livros e pensadores negros que sequer tinha ouvido o nome, nos aproximou da realidade que os nossos passaram durante anos, que nos trouxe tristeza mas também esperança, de pensar em que nas condições mais insalubres os nossos antepassados resistiam em usar a estratégia, a religião e a arte para deixar viva a identidade. Identidade essa que resiste até hoje e durante a formação nós assumimos o compromisso de passar para as futuras gerações, como exercício escrevi uma carta para a minha neta:
Olá querida neta!
Legado é aquilo que permanece mesmo depois que você morre, é a sua marca no mundo, como você gostaria de ser lembrada, eu tive a honra de conviver com a minha avó nos seus últimos anos de vida, e ouvi direto da fonte as coisas que ela mais se alegrava na vida, ela foi uma criança levada! Ela se divertia com os recursos que ela tinha, morando no interior do estado do Rio Grande do Norte, foi com ela que aprendi que a fofoquinha Edifica e une as pessoas! Com minha bisavó aprendi que um não, não nos limita quando se tem vontade bondade e vontade no coração, meu bisavô Sebastião Ventura Barros, eu não conheci, o que sei é que ele era um homem negro, barbeiro e tinha uma perna amputada por um erro médico, mas ele nunca deixou isso tirar sua vontade de viver, era um pai amoroso, um barbeiro conhecido e a referência de homem para minha mãe, Dona Maria e seu Sebastião moviam céus e terras para criar suas filhas, que eram 3, minha tia-avó se chamava Emelina, era a representativa da bondade, a MasterChef que o Brasil não conheceu, era a típica vó que dizia:
-Coma mais minha filha!
-Você está muito magra! Coma tudo!
Mesmo o prato sendo o tamanho do Morro do Careca.
Fonte: Guia melhores destinos.
Ela Foi referência mesmo sem ter estudado e trabalhado nas formas convencionais, aliás quebrar os padrões é uma marca de família!O pioneirismo também! Erotides Martins Barros mais conhecida como Erozinha e por mim carinhosamente chamada de Erótika, era pioneira, tinha 2 Datas de nascimento por que quis trabalhar cedo, talvez não tenha tido muita opção, ousada, ela não casou mas teve mainha e até hoje não sei quem é o meu avô ( e olha que eu perguntei muito), ela trabalhou, viajou, gastou e teve a vida de Marajá que ela sempre amou, ela nos ensinou que devemos ser tratadas como rainhas e não precisamos seguir o padrão para ser feliz, casar e ter filhos e nem nesta ordem.
Ela nos ensinou a paquerar com propósito, a cantar e contemplar a vida, ensinou a aproveitar porque a qualquer momento tudo pode acabar,e que às vezes precisamos nos submeter ao sistema para sobreviver, mas podemos criar Alegria até nos momentos mais nebulosos.
Um beijo, sua vovó Bianca!

Foto de Erozinha no morro do careca em Natal /RN Fonte: Acervo próprio
Erotides Martins Barros , nasceu em 1932, no município de Macaíba no Rio Grande do Norte, teve 2 irmãs, 1 filha, 3 netas e 1 bisneto, foi professora particular e trabalhou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, trabalhou nos correios por anos na época da ditadura e perdeu muitas amigas dessa forma,já tirou a vesícula, operou o joelho, tinha um marcapasso no coração, teve câncer de mama, já idosa caiu e quebrou o fêmur, e mesmo assim voltou a andar e conviveu durante vinte anos com o diagnóstico de aneurisma cerebral , o que acabou levando ela do nosso convívio. Ela foi uma verdadeira heróina ancestral, inovadora, a frente de seu tempo.
É com esta herança que vivemos e que queremos passar para as futuras gerações. E você? O que quer levar para as futuras gerações ??
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